Se estamos na onda das cartas abertas, também eu quero redigir uma :
Exmo Sr. Passos Coelho tive a petolância de ir embora antes de o senhor me meter na rua. Não sou do tempo em que os emigrantes íam em direcção da França a Passos de caracol ou a salto de Coelho, o meu passador é laranjinha, é a easyjet. Não sou do tempo dos bidonvilles, mas conheço as condições insalubres de habitação, já tive ratos e baratas no interior de casa, já tive que fazer as minhas necessidades no exterior de casa. Ainda assim, apenas com 30 anos já tenho 10 de exílio. Os meus trinta anos não os confundo com os trinta gloriosos, o trabalho aqui já não se encontra no bater de uma porta. Estou em exílio, sim, não me enganei na conceptualização de uma condição. O País onde nasci recusa explicitamente o meu regresso.
Exmo Sr. Passos Coelho temos que reconhecer que aparentemente e ao contrário da retórica de Salazar o senhor não impede a saída dos braços fortes e activos da sociedade pelo bem da Pátria. O Senhor fomenta-a pelo bem individual. Mas algo me tortura ainda nas suas declarações, desculpar-me-à portanto o meu anacronismo. Quando faz a « promoção emigratória » no sentido de aliciar os jovens a aventurar-se por um futuro melhor, aventura-se no axioma paternalista de Salazar. O dever de « pela Pátria lutar contra os canhões » em Africa traduzia-se, é conhecido, no direito de emigrar clandestinamente. Uma não impedia a outra, basta analisar e cruzar os dados das saídas legais de Portugal e das entradas nos recenseamentos da populaçao em França. Para si, o dever de cada um em lutar pela dignidade de vida traduz-se no direito de emigrar. Assim sendo, o que há de comum nos dois casos é que com retóricas divergentes sobre os deveres colectivos ou individuais, um falso direito de emigrar emerge, materializada por uma não escolha viabilizada por uma solução de escape utilitarista para o país.
Exmo Sr. Passos Coelho se não conhecesse tão bem a condição do que é ser emigrante acredite não me atreveria a dirigir-lhe uma unica palavra. Mas este sentimento estranho de « double absence » continua aqui atravessado algures na coluna vertebral da experiência migratória. A instalação de um emigrante é tortuosa. Dou-lhe um exemplo, é como entrar num jogo labiríntico que à partida lhe asseguraram ser de nível muito fácil e afinal enganou-se no jogo uma vez que entrou num labirinto de nível muito difícil. Dou-lhe outro exemplo menos alegórico, é telefonar para a segurança social porque precisa da « carte vital » para ter um tratamento médico e dizerem-lhe « je ne comprends pas ce que vous dites, venez sur place». E quando enfim encontra a saída do labirinto, quando já conhece as linhas de metro de cor e salteado e as expressões linguísticas menos cordiais da rua, aí começa a aperceber-se que está mais longe da sua língua. O pior mesmo ainda está para chegar, quando começa a escrever « dança » sem já ter a certeza se esta palavra se escreve com um ç ou com um s. é isso a « double absence », é estar aqui sem estar, é ser reenviado à condição estrita de estrangeiro, aqui ou a aí onde nasci.
Exmo Sr. Passos Coelho nos dois países onde moramos utiliza-se a mesma moeda (embora com valores diferentes), mas nesta troca não tenho coragem de utilizar a mesma moeda que a sua, não o aconselho a ir a Passos de caracol para o Brasil nem a salto de Coelho para a Angola porque tem mesmo de ser. Emigre porque é um sonhador, porque tem curiosidade de ver as nuvens e o além mar. Não leve a casa às costas como um caracol para poder saltar de leveza como um coelho.
Ps: Exmo Sr. Passos Coelho, vamos lá ver, quase esqueci o mais importante, não é muito sério da sua parte enviar os jovens para o estrangeiro e ao mesmo tempo fechar os consulados onde eles podem renovar o cartão de cidadão. Também não é muito sério despedir os professores de língua Portuguesa no estrangeiro onde as crianças desses jovens podem aprender convenientemente a língua materna dos pais. Quais são na verdade as suas intenções ?
Publicado por [Shift] dezembro 20, 2011 in Spectrum