Plataforma Gueto responde a alta comissária (ACIDI) sobre as demolições no B.rro de Sta. Filomena
“Por uma vez, os negros servir-se-ão das palavras de que têm vontade de se servir, e não já somente das palavras que os brancos estão dispostos a ouvir.”
Kwame Ture (Stokely Carmichael), 1967.
No primeiro dia em que casas foram arrastadas por pás de bulldozers e os pertences dos moradores, cheios de pó, foram levados em carrinhas de caixa aberta para um depósito qualquer, como se de sucata se tratassem, vários moradores de Santa Filomena – acompanhados pela Plataforma Gueto, Colectivo Habita, SOS-racismo, entre outros – tentaram ser novamente recebidos pela Alta Comissária para a Imigração e Diálogo intercultural. Inicialmente, ela recusou-se.
Após alguma pressão à porta do ACIDI, a comissária disponibilizou-se a receber apenas os moradores num acto de desrespeito profundo pelos movimentos sociais. Esses Movimentos que são os únicos que estão presentes nas situações em que é o próprio funcionamento do Estado que está em causa e não há fotos para tirar com um alto representante qualquer e uns pretos de serviço ungidos líderes. Os Movimentos estiveram presentes para reclamar ao ACIDI a sua pretensa independência política e a defesa dos imigrantes. Aqueles imigrantes que não ganham medalhas nem marcam golos por Portugal, não cantam rap higienizado, não tocam instrumentos de música clássica, não fazem teatro, não falam bonito, não são bons exemplos de inclusão na sociedade portuguesa. Mas são imigrantes, ou já descendentes de imigrantes, negros. Portugueses negros. São a maioria! São aqueles que chegaram no que a literatura académica chama vagas de imigração, mas que não foi mais do que importação de mão-de-obra barata. Gente para vir construir, a baixo custo, a EXPO98, os estádios do Euro 2004, os túneis do metropolitano, as auto-estradas e os centros comerciais que Portugal vendeu ao mundo com fotos do Mourinho e da Mariza.
Não foi diferente da importação dos nove mil negros escravizados que, há quatro séculos, constituíam 10% da população de Lisboa, plantavam os campos nos arredores da cidade e faziam todo o tipo de tarefas desprestigiantes, face à escassez de mão-de-obra, apenas para serem depois escorraçados para Alcácer do Sal pelo Marquês de Pombal. Não foi diferente da importação dos que, já no século XX, foram levados de Cabo-Verde para São Tomé e Príncipe, através da figura dos Contratados, para as roças de cacau de Salazar, tendo como pagamento apenas um pouco de peixe seco e xerém, porrada e abandono.
A esmagadora maioria dos imigrantes portugueses – sim, portugueses – são estas pessoas que, após terem contribuído tanto para as contas, imagem, cultura e valores deste país, entrando pela porta dos fundos de Lisboa, são agora escorraçados para os Alcáceres do Sal dos nossos dias. São aqueles que, do fundo das senzalas de Portugal, são brutalmente agredidos e/ou assassinados pela polícia, sem que o ACIDI arranque uma única condenação. São aqueles negros e negras que, invisibilizados por
estatísticas sobre imigração onde a raça não é tida em conta, estarão, certamente, com mais de 50% da sua população desempregada – muito acima dos 15% da média nacional. São aqueles que ficaram fora do casting do programa Nós! Mas Nós quem?
No momento em que escrevemos estas palavras, a P.S.P. ocupa o bairro de Casal da Mira, com 200 paramilitares, tratando toda a população, maioritariamente negra e imigrante, como lixo. Para estes Nós, não há programa Nós.
Mas nós não somos apenas aqueles a quem o ACIDI aponta as spotligths, sempre com um guião escrito em jeito de relatório do sucesso das suas políticas. Aqueles a quem chama de líderes e coopta, arrancando das nossas comunidades uma importante parte do seu potencial e colocando-o ao serviço duma intervenção social que tresanda a supremacia branca.
A Alta Comissária insultou os movimentos sociais e aceitou receber apenas os moradores (talvez pensado que estes não têm consciência política ou são facilmente manipuláveis pelas palavras de ordem do fala - escreve editado pelo ACIDI), mas deparou-se com um morador, membro da Plataforma Gueto, que a confrontou com o seu silêncio perante todas as questões aqui expostas. E a resposta da Alta Comissária foi acusar os movimentos sociais de estarem a politizar a questão do Bairro de Santa
Filomena. Como se o direito à Habitação e à Propriedade, a pobreza e o racismo não fossem questões políticas! Sim, senhora Alta Comissária, nem todos os negros imigrantes estãonpresos às grilhetas dos seus subsídios e cargos. Há nego fujão também, e os negros da plantação são mais numerosos do que os da Casa Grande.
Fechamos como abrimos deixando-a com as palavras de Kwame Ture (Stokely Carmichael) em 1967:
“Tínhamos a obrigação pela política, visto que os negros americanos são gente sem propriedade num país onde a propriedade sobreleva tudo. Tínhamos a obrigação de procurar obter o poder, visto que não são nem a moralidade, nem o amor, nem a não-violência que fazem funcionar este país, mas sim o poder...”
Queremos Integridade, não Integração! E a Integridade está nas
nossas mãos. Agradecemos por ter deixado isso bem escuro neste processo.
Plataforma Gueto
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