segunda-feira, 1 de outubro de 2012

António Borges mentiu descaradamente quando afirmou que as despesas com pessoal na Administração Pública representam 80% das despesas totais

Por Eugénio Rosa em Resistir.info
Cartoon de Fernão Campos.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Um dos aspectos que caracteriza o comportamento dos grandes órgãos da comunicação social em Portugal, e mesmo de certos jornalistas, é o de promoverem personalidades de direita em grandes autoridades sobre certas matérias para que depois as suas opiniões sejam aceites pela opinião pública como verdades indiscutíveis. É um processo clássico de manipulação da opinião pública, que Philippe Breton, professor na Universidade de Paris-Sorbonne, no seu livro A Palavra Manipulada designa por " argumento de autoridade " Segundo este investigador, " este argumento baseia-se na confiança depositada numa autoridade em nome do principio de que não podemos verificar por nós próprios tudo quantos nos é apresentado " (2001:pág. 94).

Tudo isto vem a propósito de Antonio Borges, conselheiro do governo para as privatizações, bem pago com dinheiro dos contribuintes, que simultaneamente também é administrador da Jerónimo Martins. A comunicação social afeta ao governo tem procurado fazer passar este "senhor", junto da opinião pública, como um grande professor de economia e um experiente gestor (formado na escola da Goldman Sachs e do FMI). Por isso interessa analisar, até pela importância que ele tem junto deste governo, a credibilidade técnica e cientifica das afirmações do referido "senhor", nomeadamente as feitas no dia 29/9/2012; portanto, não é o aspecto se são ou não convenientes.

No I Fórum Empresarial do Algarve, em que participou, António Borges declarou à comunicação social que " a medida [Taxa Social Única (TSU)] é extremamente inteligente, acho que é. Os empresários que se apresentaram contra a medida são completamente ignorantes, não passariam do primeiro ano do meu curso na universidade " e, a propósito de baixar os salários nominais, que " as despesas com trabalhadores na Administração Pública representavam 80% das despesas Totais " (RTP, 29/9/2012). A primeira afirmação (ofender os patrões) provocou grande alarido na comunicação social, mas a segunda (ofender os trabalhadores) não causou qualquer reacção, apesar de ser mentira e ser repetida pelo patrão da Jerónimo Martins no dia seguinte nas declarações que fez no Telejornal das 13h da RTP, passando como verdadeiras e alimentando a campanha contra os trabalhadores da Função Pública. Por isso, iremos começar por elas.

ANTÓNIO BORGES É UM IGNORANTE E MENTIU DESCARADAMENTE QUANDO AFIRMOU QUE A DESPESA COM PESSOAL NA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA ERA 80% DA DESPESA TOTAL

O quadro 1, construído com dados constantes do Relatório que acompanhou a proposta de Orçamento do Estado para 2012 elaborado pelo actual governo, portanto dados oficiais, mostra que António Borges mentiu descaradamente quando afirmou que as despesas com Pessoal na Administração Pública representam 80% da despesa total

Quadro 1 – Despesa Total e Despesa com Pessoal nas Administrações Públicas – 2010/2012
DESIGNAÇÃO
2010
2011
2012
Milhões de euros
I - TODAS AS ADIMINISTRAÇÃO PÚBLICAS (Central, Local e Regional)
1- DESPESA TOTAL DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS 88.680,4 84.430,8 79.667,2
2- Despesa Pessoal das Administrações Públicas 21.093,0 19.858,9 16.929,9
3- Despesas de Pessoal em % da Despesa Total 23,8% 23,5% 21,3%
II- APENAS ESTADO (Administração Central)
1- DESPESA TOTAL DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS 50.556,2 49.607,5 46.689,4
2- Despesa Pessoal do Estado (Administração Central) 11.383,3 10.485,3 8.766,5
3- Remunerações certas e permanentes 8.445,3 8.031,2 6.792,0
4- Despesas de Pessoal em % da Despesa Total 22,5% 21,1% 18,8%
5- Remunerações certas e permanentes em % da Despesa Total 16,7% 16,2% 14,5%
Fonte : Relatório da Proposta de Orçamento do Estado para 2012, págs. 55 e 72, Ministério das Finanças
As despesas com Pessoal nas Administrações Públicas (Central, Local e Regional) representam, em 2012, 21,3% das Despesas Totais das Administrações Públicas em Portugal, segundo dados do próprio Ministério das Finanças, e não 80% como afirmou António Borges, Em relação ao Estado, ou seja, a Administração Central, as despesas com Pessoal representam, em 2012, apenas 18,8% da Despesa Total. Se a analise for feita às "Remunerações certas e permanentes" conclui-se que, em 2012, as remunerações na Administração Central (Estado) representam apenas 14,5% das despesas totais do Estado. António Borges ao afirmar que elas representavam 80% revela ignorância total, e mostra que não conhece nem estuda minimamente os assuntos de que fala, estando mais interessado em utilizar a mentira na campanha contra os trabalhadores da Administração Pública com o objectivo de justificar os ataques do governo ao seus direitos e às suas condições de vida. São personalidades deste tipo, com este estofo técnico e ético, que certa comunicação social e certos jornalistas promovem a grandes autoridades.

A DESCIDA DAS CONTRIBUIÇÕES PATRONAIS PARA A SEGURANÇA SOCIAL NÃO ERA "UMA MEDIDA EXTREMAMENTE INTELIGENTE" COMO AFIRMOU ANTÓNIO BORGES

Se António Borges estudasse minimamente os assuntos de que fala, concluiria também que a diminuição da TSU (Taxa Social Única) paga pelas empresas para a Segurança Social não era uma medida inteligente, pois não teria quaisquer efeitos na competitividade das empresas, determinando apenas a transferência directa de 2.200 milhões € dos bolsos dos trabalhadores para os bolsos dos patrões, reduzindo a procura agregada, o que agravaria a situação económica e financeira de centenas de milhares de empresas que vivem do mercado interno. E para concluir isso bastaria que analisasse a estrutura de custos das empresas portuguesas. O quadro 2, construído com dados divulgados pelo INE sobre a estrutura de custos das empresas não financeiras em Portugal mostra, de uma forma quantificada, os reduzidos efeitos de tal medida.

Quadro 2 – Estrutura de custos das empresas não financeiras, e redução de custos determinada por uma redução de 5,7 pontos percentuais nas contribuições das empresas para a Segurança Social
RUBRICAS
2008
2009
2010
Em milhares de euros
CUSTOS TOTAIS EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS (1+2) 208.397.995 188.117.253 207.577.366
1- Consumos intermédios 159.070.540 139.138.519 155.345.374
dos quais:
-Matérias consumidas 71.207.554 56.141.942
-Fornecimentos e serviços externos 85.793.110 81.180.921
2- Custos com o pessoal 49.327.455 48.978.734 52.231.992
-Remunerações 38.421.950 38.131.487 40.544.335
-Encargos sociais 10.905.505 10.847.247 11.687.657
3- Redução de 5,75 p.p. na TSU (5,75% das Remunerações) 2.209.262 2.192.561 2.331.299
CUSTOS TOTAIS DAS EMPRESAS sem 5,75 p.p. TSU 206.188.733 185.924.692 205.246.067
REDUÇÃO PERCENTUAL DOS CUSTOS TOTAIS COM REDUÇÃO DE 5,75 PONTOS PERCENTUAIS NA TSU DOS PATRÕES -1,1% -1,2% -1,1%
Fonte: Empresas 2009 e 2010, INE
Se António Borges conhecesse a estrutura de custos das empresas não financeiras portuguesas saberia que uma redução de 5,75 pontos percentuais na taxa de contribuições patronais para a Segurança Social (passar de 23,75% para 18%) provocaria uma redução de apenas 1,1% nos custos totais das empresas portuguesas. Mesmo entrando com efeitos indirectos, a redução situar-se, para as empresas exportadoras, entre 1,5% e 2,4% (depende do sector), segundo cálculos que fizemos utilizando os dados de um estudo divulgado pelo próprio governo em 2011. É evidente para todos os leitores que não seria com tal medida que se aumentaria a competitividade das empresas portuguesas. E isto porque, por um lado, tal redução de custos é irrisória e ridícula e, por outro lado, é facilmente anulada com qualquer variação positiva (apreciação) da taxa de câmbio do euro. Por ex., entre 30 de Agosto e 12 de Setembro de 2012, o euro valorizou-se em 2,3% em relação ao dólar, o que seria mais que suficiente para anular aquela redução de custos. A única justificação que encontramos para as afirmações de António Borges ao chamar ignorantes os empresários que se opuseram à baixa da TSU das empresas à custa do aumento dos descontos pagos pelos trabalhadores, é que eles poderiam meter no bolso assim, com a ajuda do próprio governo, 2.200 milhões € aumentando os seus lucros, e não quiseram. No entanto, António Borges, se tivesse alguns conhecimentos consistentes de economia portuguesa certamente saberia que mais uma redução da procura interna, quando a maioria das empresas já não conseguem vender o pouco que produzem, teria consequências dramáticas no tecido empresarial português, lançando muitos milhares de empresas na falência e fazendo aumentar ainda mais o desemprego, o que determinaria uma maior contracção do mercado interno. Mas esta "economista", formado na escola da Goldman Sachs e do FMI, transformado por certa comunicação social em "guru", parece não conhecer este princípio elementar da economia.

Utilizando as próprias palavras de Antonio Borges, podia-se dizer com propriedade que seria o próprio António Borges que " não passaria no 1º ano de um curso de economia da universidade". No entanto, as afirmações de António Borges têm o mérito, como consequência da sua ingenuidade, de expressar publicamente, tornando assim claros para a opinião pública, os objectivos e a credibilidade técnica deste governo e desta maioria PSD/CDS.
30/Setembro/2012

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